terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Justiça Federal de Brasília derruba auxílio-moradia para Defensores Públicos Federais

O Juiz Federal substituto VICTOR CRETELLA PASSOS SILVA da 17ª Vara da Justiça Federal de Brasília acaba de derrubar o auxílio-moradia dos Defensores Públicos Federais.

A decisão liminar foi deferida em ação proposta pela Advocacia Geral da União (AGU) que contestava a legalidade da resolução n.100/2014 do Conselho Superior da DPU. Para o Juiz a falta de lei impede a instituição do benefício:

"Por isso, penso que a simetria, quando muito, somente pode ocorrer no nível da concretização e da regulamentação de direitos simetricamente estabelecidos na Constituição ou pelo menos em lei. Em outras palavras, na hipótese de coexistência de direitos instituídos por lei de forma semelhante em favor de carreiras distintas, eventual simetria pode até legitimar a Administração a equiparar a regulamentação de um aos mesmos moldes em que regulamentado/implementado o outro; porém, não sendo o caso dessa coexistência, não me parece estar a Administração legitimada a simplesmente estender um direito remuneratório previsto em lei a classe que não tenha sido contemplada, ou que ao menos não seja contemplada nos mesmos moldes do paradigma. Nessa situação, a incidência da ratio subjacente à Súmula Vinculante n. 37 me parece inevitável."

Abaixo decisão na íntegra:

Processo N° 0083166-56.2014.4.01.3400 - 17ª VARA FEDERAL Nº de registro e-CVD 00096.2014.00173400.2.00578/00033
DECISÃO
I – Relatório
Trata-se de pedido de liminar em ação ordinária proposta pela União Federal em face da Defensoria Pública da União, objetivando a suspensão dos efeitos da Resolução 100/2014 do Conselho Superior da DPU, que regulamentou a ajuda de custo para moradia de seus membros. O pleito está assim formulado (fl. 16): “(...) mister o deferimento do pedido liminar, para que seja suspensa a aplicação dos dispositivos da Resolução n.º 100, de 17 de outubro de 2014 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, evitando o dispêndio imediato de dinheiro público com base em uma resolução viciada.”
Na peça de ingresso (fls. 2/17), alega a parte autora, em síntese, que a aludida resolução, regulamentadora do auxílio-moradia, não tem previsão na Lei Complementar 80/94, e em nenhum outro dispositivo legal, sendo por esse motivo impossível a sua instituição por mero ato administrativo do CSDPU. Aduz, por conseguinte, que ao Conselho Superior daquele Órgão não cabe legislar positivamente e inovar no ordenamento jurídico para beneficiar seus pares em detrimento do erário nacional.
Diz que, quanto ao recebimento do aludido auxílio, aos defensores públicos federais aplica-se o disposto nos arts. 60-A, 60-B, 60-C, 60-D e 60-E da Lei 8.112/90. Afirma que não houve prévia autorização e previsão orçamentária para a instituição da verba, o que contraria o art. 169, § 1.º, incisos I e II, da Constituição da República. 
Prossegue o demandante para sustentar que não há que se falar em aplicação do princípio da simetria à hipótese da composição de remuneração da DPU, pois não existe qualquer norma expressa que trate da correspondência remuneratória entre Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública. Enfatiza que os efeitos da liminar concedida pelo Ministro Luiz Fux, na análise da AO 1.773-MC/DF, cujo objeto é a concessão de igual benefício aos órgãos do Judiciário Federal, não se estende à Defensoria Pública da União. 
Acresce, por fim, que a intenção do CSDPU é o de promover o aumento disfarçado da remuneração dos Defensores Públicos Federais, valendo-se de manobra jurídica para a concessão de vantagem com feição indenizatória. Donde requer o provimento liminar para que seja determinada a suspensão ad cautelam dos efeitos da Resolução 100/2014 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União.
O exame da medida liminar foi postergado para após a manifestação do réu, exclusivamente quanto ao que se refere este ato (fl. 52).
Na peça de manifestação (fls. 71/85), a DPU argumenta, em resumo, preliminarmente, que é parte ilegítima para figurar no passivo da demanda. Após, sustenta que não há fumaça do bom direito a evidenciar a suspensão da Resolução em testilha, pois o § 2.º do art. 134 da Constituição Federal, que teria eficácia plena e aplicabilidade imediata, reservou à Defensoria Pública da União as mesmas garantias e faculdades antes restritas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Assevera, ainda, não haver o periculum in mora, pois, além de ter sido o benefício criado com base, rigorosamente, nos alicerces havidos para o MP e Magistratura, foi determinada a observância da prévia disponibilidade financeira para o pagamento do auxílio-moradia.
II - Fundamentação
De acordo com inciso X do art. 37 da Constituição, “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso”.
Isso significa que, em matéria remuneratória de agentes públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei, nada podendo ser feito senão mediante lei específica (cf. ADI 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-2004, Plenário, DJ de 1º-2-2005.). No mesmo sentido: AO 1.420, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 2-8-2011, Primeira Turma, DJE de 22-8-2011; ADI 3.306, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-3-2011, Plenário, DJE de 7-6-2011.
Diferentemente do que sucede na Lei Orgânica da Magistratura (art. 65) e do Ministério Público (art. 227), a Lei Orgânica da Defensoria Pública da União (LC n. 80/94) não assegura aos seus integrantes direito a ajuda de custo para despesas de moradia. Havia uma previsão originária nesse sentido (art. 84, §2°, I) que acabou revogada pela Lei Complementar n. 98/99, e a outra inclusão, pela mesma lei, acabou vetada pelo Chefe do Executivo, por contrariedade ao interesse público (arts. 39, §2°, II e 84, §2°, II).
É bem verdade que essa mesma Lei Orgânica estende aos membros da DPU os direitos assegurados pela Lei n. 8.112/90 (art. 84, §2°), a qual, por sua vez, contempla a possibilidade de pagamento ao servidor de indenização a título de auxílio-moradia (art. 51, IV). Ocorre que a mesma Lei (LC n. 98/99) que trouxe a aludida norma de extensão disciplinou em separado a questão do direito ao auxílio-moradia (arts. 39, §2°, II e 84, §2°, II, que acabaram vetados pelo Executivo), o que deixa entrever que não foi intenção do legislador abranger, com a extensão, o disposto no art. 51, IV, da Lei n. 8.112/90.
Ainda que assim não fosse, o direito ao auxílio-moradia previsto na Lei n. 8.112/90 está condicionado à presença de uma série de circunstâncias, as quais se encontram arroladas no art. 60-B, e também sofre restrições no tocante ao montante ressarcitório (art. 60-B). Isso significa que, mesmo que fosse possível se valer da norma de extensão contida no §2° do art. 84, ao que parece a Resolução não poderia, em princípio, assumir a extensão pretendida.
A invocação de uma suposta simetria constitucional entre as carreiras jurídicas também não me parece suscetível de dispensar a existência de previsão legal específica da verba ora sob discussão. 
Pela minha interpretação do sistema constitucional vigente, não há espaço para se cogitar de simetria à margem de qualquer intermediação legislativa.
A cláusula de reserva de lei em matéria remuneratória não contém qualquer ressalva - implícita nem muito menos expressa - a admitir a extensão de direitos e vantagens instituídos restritivamente em favor de carreiras públicas diversas.
Por isso, penso que a simetria, quando muito, somente pode ocorrer no nível da concretização e da regulamentação de direitos simetricamente estabelecidos na Constituição ou pelo menos em lei. Em outras palavras, na hipótese de coexistência de direitos instituídos por lei de forma semelhante em favor de carreiras distintas, eventual simetria pode até legitimar a Administração a equiparar a regulamentação de um aos mesmos moldes em que regulamentado/implementado o outro; porém, não sendo o caso dessa coexistência, não me parece estar a Administração legitimada a simplesmente estender um direito remuneratório previsto em lei a classe que não tenha sido contemplada, ou que ao menos não seja contemplada nos mesmos moldes do paradigma. Nessa situação, a incidência da ratio subjacente à Súmula Vinculante n. 37 me parece inevitável.
Por todos esses fatores, muito embora reconheça a extrema relevância da Defensoria Pública da União no contexto do Estado Democrático de Direito, e, por consequência, veja como imperativo e não apenas como louvável o fortalecimento que a Instituição vem conquistando (v.g EC n. 80/2014), não vislumbro, do ponto de vista constitucional, margem para a instituição de vantagem aparentemente através apenas de ato infralegal, ainda que a pretexto de isonomia/simetria.
Quanto ao perigo da demora, este resta evidenciado ante a possibilidade concreta do recebimento do auxílio-moradia pelos membros da DPU a partir da vigência da norma (arts. 4° e 5° da Resolução) e da potencial impossibilidade de sua posterior restituição ao erário, face à aplicação do princípio da boa-fé. 
À vista do exposto, concedo em parte a tutela liminar pleiteada, para, com fulcro no §7° do art. 273 do CPC, apenas determinar que a parte requerida se abstenha de efetuar qualquer pagamento com base na Resolução 100/2014 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, até ulterior deliberação.
Intimem-se.
Cite-se a parte requerida, na pessoa de seu Defensor Público Geral, tendo em vista o disposto no art. 8°, II, da LC n. 80/94.
Brasília/DF, 9 de dezembro de 2014.
VICTOR CRETELLA PASSOS SILVA Juiz Federal Substituto

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